“Hoje em dia, numa viatura, rouba-se quase tudo. Desmontam espelhos, emblemas, aqueles farolinhos. Roubam várias coisas, é [por isso] que nós rebitamos quase todo o carro. É a proteção geral que temos feito”, explicou à Lusa Ernesto Matsinhe, de 32 anos, rebitador na capital moçambicana desde 2013.
Numa ronda pelas principais avenidas de Maputo percebe-se que quase todos os carros que circulam estão rebitados — uma espécie de parafusos cravados que impedem a fácil retirada de acessórios —, nomeadamente em áreas de fácil remoção e de peças com grande procura no mercado negro.
As partes mais visadas são acessórios das viaturas ligeiras, nomeadamente espelhos retrovisores, emblemas, faróis, defletores, guarda-lamas e para-choques, que depois são vendidos em mercados paralelos, igualmente no centro da capital, até a pouca distância dos locais de furto.
O cenário gera oportunidades de emprego para homens que encontram na rebitagem de acessórios uma ocupação rentável para fugir ao desemprego.
“Nós, a nossa tendência mesmo, é proteger e até dificultar, porque não vamos dizer que não roubam. Há quem vem à noite e puxa, porque às vezes não viu o rebite”, disse ainda Matsinhe.
Com o que recebe por cada trabalho, assume que consegue sustentar a sua família, apesar do também crescente número de locais onde os condutores podem rebitar as viaturas, aumentando a concorrência e reduzindo os ganhos.
Antes, conta, era possível receber uma média diária de dez viaturas, enquanto, atualmente, há dias em que só consegue rebitar uma, sendo que o valor cobrado por rebite varia de 50 a 100 meticais (entre 0,68 a 1,38 de euros). Um só carro chega a ter mais de 20 rebites, num cenário em que o proprietário busca proteger todos os acessórios mais visados.
Os clientes variam entre viaturas acabadas de importar e as mais antigas que, em muitos casos, estão a trocar de dono.
“Aqui rebitamos quase todo o tipo de carro, mesmo carro novo ou um carro que alguém acaba de comprar a uma outra pessoa, vem porque pode comprar numa pessoa que não quis rebitar e já ele vem quer proteger porque sabe que se rouba”, explica.
Por isso, Calisto Chirindza, de 35 anos, outro rebitador de Maputo, há cerca de 15 anos, diz que atualmente os dias de mais movimento são aqueles em que o navio descarrega no porto viaturas importadas e que, para circularem pela cidade, os clientes vão logo rebitar os acessórios vulneráveis.
“Dá para minimizar [o custo de vida], não há como não fazer nada”, diz Chirindza, que também acredita que o seu trabalho ajuda a reduzir o roubo de acessórios.
“Ladrões aqui são muitos e vandalizam qualquer carro. Agora, o cliente, quando vandalizam, ele sempre corre a vir ter connosco. Há certas coisas que nós até nem sabíamos que se tiram, mas quando o cliente traz a peça a dizer ‘monta isso, mais aquilo’, nós acabamos sabendo que isso se remove”, diz.
Junto ao maior mercado negro do centro de Maputo, Lucas Santana vai rebitando mais um acessório em segunda mão, que o dono acaba de comprar naquele mercado para substituir a roubada, mas agora também rebitada, para evitar surpresas.
Com 30 anos de idade, Santana diz que por dia consegue em média um a dois clientes, que o procuram, entre outros, para rebitar espelhos retrovisores e as respetivas tampas e faróis.
“Faço este trabalho há cinco anos. Eu cravo, rebito e protejo o carro para que os vândalos não vandalizem as peças dos carros”, disse.
Um dos clientes é Castigo Manuel, que diz já ter roubado por três vezes, sempre em Maputo e, por isso, opta pela rebitagem por se mostrar uma solução mais barata do que fazer a reposição das peças.
“Estou aqui no Estrela [mercado paralelo] para rebitar essa viatura e comprar as peças, porque sofremos com os vândalos que, por exemplo, quando encontram uma viatura, eles tiram as peças, depois vem vender aqui”, disse Castigo Manuel, enquanto espera pela sua viatura, que está a ser rebitada. É que um dos acessórios, depois de roubado, teve que ir comprar de novo, mas já com a noção da necessidade de rebitar.
“Já sofremos vários [roubos], essa é a terceira viatura a sofrer o roubo”, disse, explicando que, em alguns casos, os condutores reconhecem peças roubadas nas suas viaturas à venda no mercado negro: “Só que não tem como reclamar”.
Na mesma situação está Alberto Luís, num momento em que acaba de sofrer uma tentativa de roubo do espelho retrovisor. Diz que valeram os tantos rebites na sua viatura para que o furto fosse frustrado.
“Rebitei por causa das pessoas que andam a roubar, é por isso que estão a ver que todo o carro está cheio de rebites. Mesmo hoje […] tentaram arrombar o espelho”, diz.
Apesar de algumas detenções feitas pela polícia, estes furtos tornaram-se rotineiros em Maputo.
“Estamos mal aqui no Estrela com roubos”, lamenta Alberto Luís, acrescentando que com os acessórios rebitados os condutores são capazes de circular pelo menos com algum alívio e confiança antes de voltarem a pegar no carro.
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