A porta-voz da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que decorreu de 01 a 06 de agosto de 2023, em Lisboa, a jornalista Rosa Pedroso Lima, desvenda na obra “Recordar Francisco, a última Jornada do Papa” as polémicas e os bastidores de uma organização assente no voluntariado (25 mil voluntários).
A autora começa por revelar que a ideia de realizar a JMJ — encontro de jovens de todo o mundo com o Papa – em Portugal partiu de Manuel Clemente, então patriarca de Lisboa.
Em 2017, segundo o livro, Manuel Clemente obtém luz verde de Roma e contacta as autoridades portuguesas para pedir o seu acordo. Falou com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com o primeiro-ministro, António Costa, e com os autarcas de Lisboa, Fernando Medina, e de Loures, Bernardino Soares.
“Todos se mostraram interessadíssimos e motivados desde o primeiro momento”, lembrou Manuel Clemente, citado no livro, ao mesmo tempo que lhes pediu: “Disto não se fala enquanto Roma não anunciar”.
“Ninguém disse nada, é importante sublinhar isto, porque comecei a fazer contactos no final de 2017 e o anúncio só foi feito em janeiro de 2019. Num país onde geralmente tudo se sabe, quer da parte da Igreja, quer da parte do Estado, todos se portaram muito bem”, recordou o patriarca.
Manuel Clemente iria ainda, segundo a autora, fazer uma exigência: a Jornada “era dos jovens e não uma organização de padres” embora no topo da organização estivesse o cardeal Américo Aguiar, presidente da Fundação JMJ.
O objetivo de trazer os leigos é o de “combater o envelhecimento acentuado, o desligamento do mundo e a vida em bolha fechada com que a anestesiada igreja nacional tem vivido, num mundo que, ao contrário, é cada vez mais aberto, virtual e instantâneo”, escreve Rosa Pedroso Lima no livro publicado pela Contraponto Editores.
A seis meses da semana que trouxe jovens de todo o mundo para estarem com o Papa, a Igreja teve que lidar com a noticia do Observador de que o custo do altar-palco no Parque Tejo, onde Francisco ia celebrar a missa final, era de 4,2 milhões de euros.
A “bomba” estoirou estavam os responsáveis máximos no Panamá (onde se tinha realizado a JMJ anterior) e “o incêndio” provocado pela notícia “esteve descontrolado” três dias, recorda a autora. Horas depois de aterrar em Lisboa Américo Aguiar encerra a polémica com a frase: “É um número que magoa”.
Com algumas alterações ao projeto, o custo passou para cerca de 2,9 milhões de euros (mais IVA), cerca de 30% face ao valor inicialmente previsto.
A escassos dois meses do inicio da JMJ, surge uma nova “minicrise” quando a Santa Sé divulga o selo comemorativo da JMJ Lisboa 2023.
A imagem do Padrão dos Descobrimentos com o Papa a indicar o caminho a um grupo de jovens “inflama as redes sociais, sobretudo nacionais e brasileiras, com insultos ao estilo neocolonial recuperado pela Santa Sé”, refere a autora no livro.
“Confesso que quando vi o selo achei que era ‘fake news'”, contou Américo Aguiar. A autora recupera ainda no livro declarações à Lusa do bispo Carlos Azevedo quando disse que se tratava de uma iniciativa “de péssimo gosto” e que o Papa Francisco não se identificava com aquela imagem nacionalista.
A polémica terminou com a retirada dos selos de circulação, “um dia depois da sua emissão pública”.
Nos bastidores da organização, a autora revela que a operação de logística relacionada com os ‘kits’ dos peregrinos foi “uma das maiores dores de cabeça” já que tiveram que colocar dentro de 500 mil mochilas t-shirt, terço, garrafa de água, fita e chapéu e, “a menos de um mês da Jornada, a tarefa estava longe de ser cumprida”.
Os voluntários das várias áreas tiveram que resolver problemas como “alojar mais de 300 mil peregrinos, fornecer dois milhões de refeições, transportar centenas de milhares de pessoas por caminhos de ferro e estradas sobrelotadas”, recorda. Na JMJ de Lisboa estiveram presentes jovens de todo os países, com exceção das Maldivas e da Líbia.
Duzentas pessoas geriram cerca de 25 mil voluntários dispersos pelos locais onde decorriam os principais momentos da JMJ como o Parque Eduardo VII (onde decorreu a missa inaugural e a Via Sacra) ou o Parque Tejo onde se celebrou a vigília e a missa final.
Um dos momentos mais citados da vinda do Papa a Lisboa é o discurso do dia 03 de agosto, quando Francisco enfatizou que na Igreja “há lugar para todos” e pediu aos milhares de jovens presentes no Parque Eduardo VII que repetissem com ele “todos, todos, todos”.
Desses dias, constata a autora, só resta uma marca: “a pala que cobria o palco do Parque Tejo, que continua a aguardar por uma nova utilização”.
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